Paulo Santos – Que preparação espiritual lhe parece que é importante fazer antes de chegar à Jornada?
D. Américo Aguiar – Primeiro, agradeço o convite, é sempre bom voltar a casa, estar aqui disponível, olhos nos olhos, coração com coração, interpostos por esta possibilidade, com os nossos queridos irmãos escutas. O Papa gravou há dias uma mensagem destinada aos peregrinos e desafiou-os a uma coisa muito simples, como preparação, que é muito espiritual: Desafiou cada um, se tem avós, que fosse ao encontro deles, que falasse com eles, que risse, que os acompanhasse, que se lembrasse deles. E aqueles que porventura já têm os avós no Céu, que tivessem uma oração especial pelos seus avós. Porque este caminho que fazemos é um caminho intergeracional, não é? Aliás, o CNE ensina-nos muito isso, mas a sociedade em que vivemos está um bocadinho, às vezes, parece-me de costas voltas, os velhos contra os novos, enfim, as faíscas grisalhas, em que somos permanentemente provocados e que temos que construir o futuro contra alguém ou contra alguma coisa. E a preparação para a Jornada Mundial da Juventude tem que ser também isso, que fazemos um caminho, uns com os outros. Fazemo-lo nesta circunstância de nos sentirmos verdadeiramente filhos de Deus e que os outros também são. Por isso, quando olhamos para o outro, e o outro é diferente, quando olhamos para o outro e o outro nos coloca receios e pé atrás, porque é diferente, porque tem uma cultura diferente, porque vive numa geografia totalmente diferente, porque pensa e defende coisas diferentes. Há duas possibilidades: Construir um muro ou estabelecer uma ponte. E nós, no movimento escutista, nesta fraternidade escutista em que vivemos e que cultivamos, uma vez escuteiro, escuteiro para sempre, temos um propósito muito especial, no fim da vida gostamos de dizer ou que digam, que nós fizemos um esforço por deixar o mundo um pouquinho melhor. Para o deixarmos um pouquinho melhor, temos de nos apagar a nós próprios para permitir que o outro seja, para que o outro aconteça. E nesta preparação espiritual, nós temos que ter como imagem Maria, a mãe dos escutas. O lema que o Papa escolheu foi “Maria levantou-se e partiu apressadamente”. Em primeiro lugar, perante o anúncio da proposta de Deus para ser a mãe do filho de Deus, ela não ficou perante o espelho a autocontemplar-se “espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais bonita do que eu, por ventura?”. Não, Nossa Senhora, esta jovem Maria, a primeira coisa que pensou foi noutra parte que o anjo lhe disse: “A tua prima Isabel, de idade já avançada, está grávida”. Algo que todos diziam ser impossível, a Deus nada é impossível. Ela imediatamente pensou na sua prima de idade já avançada, grávida, que precisaria de ajuda. Imediatamente se levanta e toma a decisão de se colocar a caminho.
É esta a preparação espiritual que nós temos que fazer: Termos força e coragem de nos levantarmos apressadamente e o Papa diz, sem ansiedade, para nos colocarmos a caminho, a caminho dos outros e também a caminho deste primeiro gesto e decisão de evangelização, porque é a primeira vez que alguém leva Cristo, e leva Cristo no seu seio. É o primeiro ato de evangelização. O Papa Francisco dizia ao senhor Cardeal Patriarca (…) que queria que a Jornada fosse também evangelização. Evangelização é nós primeiro, termos consciência do Cristo vivo que habita no nosso coração, mas não estamos em regime de exclusividade. Temos que aceitar que o outro também transporta Cristo vivo e o traz para testemunhar junto de mim. É nesse gesto e decisão de evangelização que também temos o apoio sócio caritativo, Maria vai em apoio, em subsídio da sua prima, que precisa de ajuda, não é? E aí nós somos também exemplares naquilo que é, pelo menos era no meu tempo, que tínhamos o nó na ponta do lenço para lembrar a boa ação.
É aí que Maria, qual mãe dos escutas, decide definitivamente levantar-se, partir ao encontro dos outros, na certeza que leva Cristo vivo, e na certeza da urgência de corresponder aos gritos que os outros tenham, sejam como o Papa diz, as periferias existenciais ou geográficas. Aí o CNE e o movimento escutista no mundo são para a humanidade, e já vamos aqui nas 100 velas em Portugal, um exemplo permanente e vivo de que a oração e a missão, o rezar e o fazer, são de mãos dadas aquilo que é a nossa vivência diária.
Paulo Santos – Encontraremos aqui mais de 1 milhão de pessoas de todos os pontos cardeais. O que é que a Igreja em Lisboa vai enriquecer com todo este momento de comunhão?
D. Américo Aguiar – O primeiro enriquecimento lícito da Igreja de Lisboa e da Igreja em Portugal está já a acontecer. Eu tenho percorrido o país todo, aliás, e fico muito feliz por encontrar sempre os agrupamentos em todo o país, muito empenhados naquilo que é a aplicação dos símbolos e na peregrinação dos símbolos. Na peregrinação dos símbolos temos encontrado em cada paróquia, em cada vigaria, em cada ouvidoria, em cada arciprestado, mediante as nomenclaturas que existem no nosso País, temos encontrado jovens empenhadíssimos a acolher os símbolos, e a fazê-los circular nas suas terras, nas suas localidades. Têm-no feito com uma disponibilidade nova, renovada, fortalecida, alegre, empenhada, da parte de alguns jovens que não estão em nada, que não estão na catequese, que não estão nos escuteiros, mas que se sentem chamados, sentem curiosidade em relação aquilo que é a JMJ, o que possa ser a JMJ e, acima de tudo, isso não podemos esquecer, aquilo que significa a atração da figura do nosso querido Papa Francisco.
Há muitos jovens, há muitos adolescentes, que estão longe ou porventura frios, naquilo que é a sua vivência, conhecimento e proximidade com Cristo, que se sentem curiosos e estão disponíveis para neste processo da promoção dos símbolos aproximarem-se. Ora isto é uma grande responsabilidade e riqueza para a Igreja. É que não chega dizer que há missa às 11 no domingo, significa dizermos que estamos disponíveis, sempre alerta para ir ao encontro destes jovens que tiveram a curiosidade, fizeram caminho, reconheceram Cristo vivo. E agora? Agora é preciso acompanhá-los. Agora é quais discípulos de Emaús, juntos faz, juntos fazermos um caminho, e isso é o maior enriquecimento que a Igreja de Lisboa e do país pode ter, se estiver ao nível da exigência deste acompanhamento de tantos e tantos jovens que querem conhecer Cristo e fazer caminho com Ele.
Paulo Santos – Não podemos contornar Fátima. Lisboa foi a cidade escolhida, mas recomenda a que os peregrinos que possam e que queiram, passem por Fátima na devoção a Nossa Senhora?
D. Américo Aguiar – Não se trata de contornar, faz parte. Aliás, os peregrinos estrangeiros, os jovens estrangeiros, principalmente das geografias mais longínquas, (…) todos querem ir a Fátima. Nós estamos a trabalhar com o Santuário de Fátima e com as dioceses, de maneira a organizar as coisas o melhor possível, de maneira a que não seja uma santa confusão. De maneira a que os jovens que estão a norte ao virem para Lisboa, possam passar em Fátima, os que estão a sul possam porventura fazer o contrário, no pós-jornada, possam fazer a visita ao Santuário. Aqueles que são portugueses ou espanhóis têm mais tempo para o fazer noutro momento e não este. O Papa já disse e repetiu, e sublinhou, do seu desejo e vontade de ir a Fátima, e assim acontecerá durante a Jornada, e assim acontecerá. O Santuário está a preparar, aliás, já este ano pastoral, com o Comité Diocesano de Leiria Fátima, muitas atividades. Está-se a preparar para com tempo e uns meses antes, como é sempre impecável naquilo que é a sua disponibilidade e alerta, para acolher os peregrinos, para os poder acompanhar, para que a experiência da visita a Fátima não seja só uma curiosidade, mas tenha conteúdo e os ajude a levarem nos seus corações e nas suas vidas algo importante dessa sua Peregrinação a Fátima e desse encontro com Maria nesse lugar tão especial. Para os portugueses e para todos no mundo inteiro.
Paulo Santos – Não vou deixá-lo ir para a sua vida atarefada sem poder fazer uma pergunta que me enche de felicidade: Diz sempre que se fez Padre por causa dos escuteiros. Quer nos contar essa história?
D. Américo Aguiar – Conto. Aliás, é pena eu não ter aqui um elemento, que depois podem acrescentar com efeitos especiais, que são o Huguinho, Zezinho e Luisinho, os sobrinhos do Pato Donald. Quando era miúdo fui para a catequese, como os miúdos iam. Agora já não é bem assim, mas era normal e fui. A certa altura, acho que me portava pouco bem e deixei de ir, preferi estar a ver o Vasco Granja na RTP, a banda desenhada. Fiquei um apaixonado da banda desenhada do Walt Disney, Tio Patinhas, Pato Donald e os seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho, que eram e são Escoteiros Mirins e passei a ser Escoteiro Mirim, lá com as minhas brincadeiras de miúdo. A certa altura, eu ia com os meus amigos à missa e, portanto, era acólito com eles assim meio às escondidas e acompanhava-os. Num momento fizeram um anúncio lá na paróquia que iam abrir um agrupamento de escuteiros. Eu devo ter sido dos primeiros a inscrever-me! Nome: Manuel Américo Alves Aguiar, Idade: X, Ano de Catequese: Nenhum, não ando. “Oh meu amigo, ou vem para a catequese ou não pode vir para os escuteiros”. Eu lá me armei em revolucionário, fiz o que pude. Durante essa semana tive que tomar uma decisão (…) fatal e, portanto, tomei a decisão de ir para a catequese para ir para os escuteiros. Veja no que é que deu, aqui estou eu. Portanto, estou convencido que se não fosse assim, aliás, há uma figura importante na minha vida, o D. Manuel Martins, Bispo de Setúbal, primeiro Bispo de Setúbal, que quando lhe contava isso ele dizia assim “Deus tem sempre a mão esquerda para tomar decisões sobre a nossa vida. O Walt Disney foi a mão esquerda de Deus para te chamar.” Portanto, Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Paulo Santos – Ouvi das suas próprias palavras dizer que houve até uma fase na sua vida que tentou de alguma maneira impedir que outros companheiros entrassem no Seminário.
D. Américo Aguiar – No nosso Agrupamento, Leça do Balio, 854 (…) um dos nossos colegas, o Augusto, andava no Seminário e nós não nos portamos bem. Portanto, hoje acho que se diz bullying e nós fizemos tantas e tão repetidas que não sei se ele saiu por nossa causa, ou nós é que fomos fazendo esse juízo, de que ele não resistiu a todas aquelas peripécias e adversidades que lhes causamos e saiu do Seminário. Portanto, mais uma que por muito que tivesse fugido, por muito que me tivesse afastado, não havia hipótese. E cá estamos.
Paulo Santos – Muito obrigado pela sua ajuda para movimentarmos mais gente para a Jornada, para darmos aqui algum ânimo aos voluntários, que tanto precisamos, quer na Jornada, quer como nós no CNE.
D. Américo Aguiar – Muito bem, e eu renovo sempre o meu agradecimento ao CNE. O que sou, e o que sei, e penso muito que tenho sido capaz de fazer, aprendi na minha equipa, com o método escutista, e cá estamos para o que for preciso.
Vê a entrevista na íntegra no Canal do YouTube do Escutismo, neste link.