Nada nem ninguém podia ficar indiferente à tragédia que assolou os nossos Irmãos espanhóis em geral e, claro, de uma maneira particular os nossos Irmãos Escutas.
Assim, o Agr. 320 tem desde há mais de 20 anos relações de amizade com o Grupo de Scouts de Bitácora, Valência. Quando surgiram as primeiras notícias da tragédia, os Dirigentes com mais anos de “casa” lembraram-se de imediato destes nossos irmãos que poderiam estar a precisar de ajuda.
Com as novas tecnologias, apenas foi preciso teclar um pouco e estabelecer contacto. Definidas as prioridades, pediu-se aos pais e amigos que doassem os materiais que mais estavam em falta. Pedida ajuda à casa Salesiana de Évora, que disponibilizou de imediato apoio logístico, dois dias depois, dia 3 de novembro de 2024, estavam dois Dirigentes do Agr. 320 – o António Nabeiro e o Filipe Nabeiro – a caminho de Valência com material e “Muchas ganas de ayudar”. Fizemos uma paragem em Badajoz para que “Eugénio”, outro irmão escuta, nos entregasse mais material para fazer chegar a Valência, material que se veio a revelar fundamental, numa altura em que os stocks estavam a zero.
Depois de 700 kms e 8 horas de viagem, chegávamos a Valência. Contudo, 50 kms antes já era possível detetar as marcas da “DANA”. Era possível sentir a tristeza, a devastação, a destruição que mais tarde viríamos a constatar. Com 3 pontes totalmente destruídas, carros amontoados, tal construções de Legos que em miúdos fazíamos, ambulâncias, carros de polícia com sirenes ligadas, estradas cortadas, aliás intransitáveis, sentíamo-nos perdidos, impotentes sem saber o que fazer. E não nos restou outra alternativa, mesmo sem autorização, parar para perguntar a um polícia local “Somos Scouts Portugueses, vinimos a ayudar, como llegamos a Grupos Scouts Bitácora?”
A resposta foi embargada e esclarecedora: “Gracias por venir! Yo te llevo alli!”
Já no “Local”, termo utilizado para designar sede, fomos recebidos por Ximo Mora, o Chefe do Grupo, um Amigo. Um Homem espetacular, com uma humanidade fora do normal e que, apesar do momento que estavam a viver, ainda teve a consideração de estar à nossa espera e fazer o seu papel de cicerone. Pedimos ajuda à polícia local para guardarmos a carinha que estava carregada de material nas instalações desta força de segurança, tendo o pedido sido aceite.
De manhã, descarregámos o material para o “Local” e saímos para a zona afetada, denominada por “Zona 0”, para efetuar todo o tipo de trabalhos. Agora sim, vai começar a parte mais difícil! Quilómetros e quilómetros de destruição. Zona onde apenas transitavam os veículos de emergência e segurança, não haviam veículos particulares ou transportes públicos. Do outro lado, a autoestrada estava completamente bloqueada. À medida que nos íamos aproximando, o cenário era cada vez mais aterrador, mais sinistro, mais triste, mais preocupante. O silêncio só era quebrado pelo barulho das máquinas que, a pouco e pouco, ia retirando a água existente nas garagens, barulho dos reboques a efetuarem o transporte dos veículos danificados, aqui e ali uma ou outra pessoa que tentava aliviar a dor das pessoas que tudo perderam, a nível familiar e material.
Podemos dizer sem margens para dúvidas que a realidade superou, infelizmente, e muito a ficção. Casas, ruas, bairros completamente dizimados. Escolas completamente dizimadas, sendo que a nossa prioridade eram as casas dos familiares dos Escuteiros afetados e os espaço públicos, como escolas, auditórios, jardins de infância.
No dia em que viemos para Évora, 8 de novembro de 2024, ainda não havia água canalizada, luz, que permitissem fazer coisas tão elementares como tomar um banho.
Nestes sete dias, foi possível testemunhar a gratidão da população, com gestos tão simples para nós mas tão carregados de simbolismo para eles, como por exemplo um café, uma madalena, etc, até ao colocar de uma tarja nas varandas “Gracias a los Àngeles del barro los voluntários”. Por momentos, sentimo-nos acarinhados por quem tudo perdeu e ainda tinha uma palavra para nos dar: “Gracias”.
Agradecemos ao Grupo Scouts de Bitácora que nunca nos deixou sozinhos, que todos os dias nos agradeciam o facto de termos ido em auxílio de quem precisava. No meio disto tudo, foi possível verificar que os ideais do Baden-Powell estão bem vivos e que, como ele dizia, “só seremos verdadeiramente felizes se fizermos felizes os que nos rodeiam”.
Deixámos Amigos, a Srª Maria, que ainda hoje nos envia mensagens e vídeos, onde agradece a nossa ajuda, o Sr Luíz, a Paula, a Flor, tantas e tantas pessoas que sentiram o nosso calor humano e o nosso abracinho.
Urge tratar da saúde pública e de quem ficou a sofrer. Tentar curar as feridas, sobretudo ao nível psicológico.
Voltávamos? Claro que sim! Sempre!