Promover a Saúde Mental: Ecos do Escuta-te

Aconteceu no início de agosto o ACAREG da Região do Porto. E ainda que esta reflexão pareça que chega atrasada, continua (e continuará) profundamente atual.

O CNE percebeu, e bem, que uma grande atividade exige um olhar mais atento e um cuidado mais integral. Afinal, os nossos escuteiros trazem nas mochilas muito mais do que material de campo, vivências escutistas ou atividades impactantes. Vêm como um todo, vêm como escuteiros e como pessoas. As atividades de campo regionais e/ou nacionais (como foi o

ACAREG) têm características diferentes das realizadas no agrupamento. Essas atividades têm uma grande especificidade – uma atividade mais longa, com mais exigências e desafios, coloca à prova a resistência física e emocional, a capacidade de gerir frustração, a resiliência, a autonomia, interação social…

 

Por isso, o Escuta-te surgiu com uma resposta integrada no Hospital de Campo, mas com o foco na intervenção psicológica em situação de crise. Juntou-se a nós uma equipa de psicólogos externos, que permitiram uma ação mais alargada e dirigida. Ainda assim, foram vários os momentos em que nos vimos desafiados pelas necessidades e elevada procura. 

Porque a criança que, muitas vezes, chega com dor de barriga traz, na verdade, uma saudade que dói; uma saudade que não se sente capaz de entender e gerir e, então, o corpo fala. 

Porque o adolescente que, tantas vezes, chega em plena crise de ansiedade, precisa de um lugar e espaço que lhe devolvam a segurança e a calma que determinada situação lhe roubou. 

Porque o adulto que acompanha estas crianças e jovens precisa de sentir que alguém lhe dá a mão nesta missão nobre e exigente de educar para os valores. 

No Escuta-te passaram por nós mais de duas dezenas de crianças e jovens. Recebemos urgências que escondiam vidas difíceis, necessidades camufladas, realidades mais exigentes do que seria possível suportar, traumas, dores e vontade de encontrar alívio e conforto. Na verdade, somos tanto por trás do nosso uniforme. Cabem tantos mundos dentro da nossa mochila. 

E ali, no momento da fragilidade e vulnerabilidade tudo vem ao de cima. Tudo conta. Tudo tem lugar. E tudo tem um nome, porque quando damos um nome à dor e ao sofrimento, ela torna-se mais fácil de aguentar e de resolver.

De todos estes, recebemos mais raparigas do que rapazes. O que poderá este dado dizer-nos? Estarão elas mais vulneráveis do que eles? Eles não se sentirão capazes de aceitar a fragilidade e pedir ajuda? 

Recebemos mais elementos de agrupamentos de cidade do que meio mais rural. O que poderá este dado dizer-nos? Que oportunidades educativas estamos a perder com a proteção em demasia, as dinâmicas muito autocentradas, a vida demasiado previsível e estruturada? 

Recebemos muitas jovens já medicadas com ansiolíticos. Estamos a camuflar padrões e perfis com medicação? Estamos a escolher o caminho mais fácil? Estamos a capacitar, verdadeiramente, esta geração?

As perguntas são muitas e a reflexão é mais ampla do que cabe neste texto. Mas estes indicadores obrigam-nos a parar, pensar e redirecionar a bússola para seguirmos mais firmes em direção ao nosso norte.

O Escutismo continua a ser, no meu olhar de cidadã, psicóloga e escuteira, um espaço privilegiado para um crescimento integral, completo e que muda e molda as vidas de muitas crianças e jovens. Mas eles e elas – os nossos escuteiros – também são rosto e sinal de uma sociedade que está doente; uma sociedade que ensina fórmulas, conceitos e teorias, mas não ensina resiliência. Não ensina a capacidade – urgente e fundamental – de lidar com frustrações, de resolver problemas de forma autónoma e construtiva. 

Que valoriza resultados, mas desvaloriza processos; que protege em excesso, gerando insegurança e falta de confiança.

Por isso, nós – educadores e adultos significativos – somos necessários! Mas, cada vez mais, desafiados a um trabalho que vai muito para além do método escutista, do sistema de patrulha ou da metodologia de projeto…

Estamos a ser confrontados e desafiados a pensar – cada vez mais profundamente – no elemento como um compósito de características e em como proporcionar uma vivência rica, educativa, intencional e pedagógica.

Na era da IA, em que tudo parece fácil, rápido e imediato, o que vimos, sentimos e acolhemos no Escuta-te foi a necessidade de presença, de escuta ativa, de empatia, de colo e acolhimento, de olhos nos olhos.

Valorizarmos e cuidarmos da saúde mental de elementos e recursos adultos é urgente, necessário e primordial, para continuarmos a fazer do Escutismo uma verdadeira tenda, onde todos têm abrigo, onde todos se sentem acolhidos e onde todos têm oportunidade de crescimento e evolução. 

Texto: Teresa Mansilha.

Foto: António Rendeiro.

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