“E a estrela do céu parou em cima / Duma rua sem cor e sem beleza / Onde a luz tinha o mesmo tom que a cinza / Longe do verde-azul da Natureza”. Estes versos de Sophia de Mello Breyner convocam perturbadoramente o imaginário do Presépio na capela de Santo António, em Nine, freguesia do concelho de Vila Nova de Famalicão.
Da responsabilidade do Agrupamento 1046, Santa Maria de Nine, região de Braga no âmbito das denominadas “Festas do Menino”, o conceito deste presépio partiu da visão de um dos dirigentes: usar o espaço da capela para recriar a tradicional cena da Natividade e, em simultâneo, honrar as pessoas diretamente afetadas pela tragédia dos incêndios neste último verão. “Este ano”, lê-se num panfleto disponível à entrada, “o flagelo dos incêndios assolou o nosso país de forma tragicamente expressiva. Se outros verões tivemos que também arrasaram com casas inteiras, animais e vidas humanas, nunca como este ano a Natureza vincou a sua indiferença ao desespero de tantas pessoas que, num ápice fatídico, ficaram sem nada – e até sem a própria vida. Foi a nossa impotência e fragilidade contra a fome implacável do fogo.”
Trazer para a quadra natalícia a lembrança desse pesadelo desolador pode, à primeira vista, soar como uma boa intenção mal sucedida. Acontece, porém, que o tom deste Presépio em Nine reclama por uma certa sobriedade, procurando que sobre a dor de uma tragédia recente não recaia uma máscara atenuante, que é uma outra forma de eliminar essa dor no espaço público ou na memória coletiva.
Afigura-se, assim, como uma tentativa de inscrever no nosso corpo, na nossa sensibilidade, o flagelo dos incêndios e as mortes provocadas. “Por isso”, continua o texto do referido panfleto, “desejamos que o breve percurso realizado neste espaço acompanhe o lento, mas gradual, caminho que das cinzas – do terror, da angústia, da desolação – nos conduz à esperança e à vida.” Daí este Presépio se ter associado ao projeto Criar Bosques, da Quercus, destinado a recolher sementes para recuperar e cuidar de bosques com espécies autóctones, árvores e arbustos originais da flora portuguesa.
Missão: “fazer renascer das cinzas a floresta do nosso país”.
Texto de: Diogo Martins. Fotografia de: Alípio Castro.