A água que vestimos: Qual o impacte da produção de t-shirts no Escutismo?

Todos os anos, nas mais diversas atividades escutistas – desde acampamentos nacionais, regionais, de núcleo, às comemorações de agrupamento e/ou secção – há um elemento comum que nos une visualmente: a t-shirt da atividade. 

A t-shirt simboliza muitas vezes pertença, identidade e recordação. No entanto, por trás de cada uma há um custo invisível, muitas vezes ignorado: o impacte ambiental da sua produção, principalmente, no que respeita ao consumo de água. A cada t-shirt que vestimos, estamos também a “usar” milhares de litros de água doce — um recurso cada vez mais escasso no nosso planeta.

Uma t-shirt colorida de algodão consome em média 2700 litros de água, que corresponde à média de água que uma pessoa bebe em dois anos e meio. Este número considera a água utilizada no cultivo do algodão (que corresponde à maior fatia do consumo), o processamento do tecido, o tingimento (cor) e a estampagem. 

Mas qual o real impacte das t-shirts do CNE? Vamos fazer um exercício usando os dados dos Censos 2024 do CNE, que indicam que tínhamos 65.924 escuteiros ativos (incluindo aspirantes a associado não Dirigentes, associados não Dirigentes, Candidatos a Dirigente e Dirigentes). Se cada um destes escuteiros receber uma t-shirt por ano, estamos a falar de 65.924 t-shirts, o que equivale a 177.994.800 litros de água doce consumidos. Segundo a entidade reguladora dos serviços de águas e resíduos (ERSAR), um cidadão português consome em média 187 litros de água por dia, pelo que os 177.994.800 litros de água usados para a produção das 65.924 t-shirts dos escuteiros do CNE dariam para abastecer a água de cerca de 2607 pessoas durante um ano inteiro! 

Para além da quantidade de água usada, a produção de têxteis tem outro impacte neste recurso: a sua poluição. As estimativas mundiais apontam que a indústria têxtil é responsável por 20% da poluição da água potável à escala mundial, decorrente de todo o processo, desde a utilização de químicos para o tratamento da planta do algodão, até à utilização de produtos para tingimento e acabamento. 

Este é apenas um pequeno exercício que podemos fazer, sendo que o número real poderá ser mais surpreendente, se considerarmos que anualmente temos imensas atividades e equipas para as quais são produzidos materiais têxteis: cenáculos nacionais, cenáculos locais, departamentos nacionais, regionais, de núcleo, agrupamentos, secções, atividades internacionais, etc… já para não falar do nosso fardamento. 

Muitas vezes optamos por fazer t-shirts, uma vez que será um material possível de reutilizar e ficamos com uma lembrança da atividade que tem alguma utilidade. A reutilização é uma prática importante e necessária, contudo convém percebermos que para compensar o impacte ambiental de uma t-shirt de algodão, precisamos de a reutilizar centenas de vezes. Também será pertinente refletirmos sobre a quantidade efetiva de t-shirts que acabamos por acumular ao longo dos anos de Escutismo que temos, e quantas gavetas dos nossos armários e cómodas já estão cheias destas recordações. 

Não estamos a propor que se deixem de produzir t-shirts por completo. A t-shirt pode ter um valor simbólico, identitário e até afetivo. Todavia, é premente fazermos uma reflexão interna e honesta sobre a real utilidade e necessidade de cada uma. Podemos repensar os momentos em que criamos t-shirts: será que faz sentido ter uma nova? Ou para todas as atividades? Será que há outras formas de marcar esses momentos, menos impactantes para o planeta? Um lenço especial, um crachá, uma faixa, ou até mesmo o reaproveitamento criativo de t-shirts antigas podem ser alternativas mais sustentáveis e igualmente significativas.

Estamos também num momento de reflexão mais amplo dentro da nossa associação, nomeadamente sobre o uniforme. É por isso oportuno alargar a discussão para incluir também a sustentabilidade como critério nas nossas escolhas. Não basta pensar nas cores ou no design. É importante discutir os materiais utilizados, a forma como são produzidos, as condições de trabalho de quem os fabrica e a verdadeira finalidade das peças que escolhemos usar e criar. O uniforme é uma forma de comunicação e uma expressão de valores. 

Como movimento educativo não formal, temos a responsabilidade de formar jovens conscientes, críticos e comprometidos com o mundo que os rodeia. Esta formação não se faz apenas com palavras, mas com exemplos concretos. Questionar a quantidade de t-shirts que produzimos e usamos é apenas um pequeno passo, mas pode ser o início de uma mudança maior. Não é sobre negar identidade, é sobre reforçar coerência. Porque a verdadeira marca que queremos deixar no mundo não é feita de algodão, mas de atitudes responsáveis e sustentáveis.

Texto: Departamento Nacional de Ambiente (DNA).

Foto: Gonçalo Pinto.

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