Dia Mundial do Teatro: O Escutismo poderá ser considerado arte?

Questiono-me… O Escutismo poderá ser considerado arte? A arte do saber brincar. A arte de erguer o necessário com apenas um novelo de espia e um molho de varas. A arte de olhar um mapa, traçar azimutes e, apesar de sabermos o que estamos a fazer, também sabemos que nos iremos perder. A arte de nos desprendermos do banal e agarrar o essencial. Tudo isto é ser escuteiro, que passa também pelo admirar, seguir e ser exemplo. Ser o exemplo que um dia o nosso pequeno lobitinho viu e sonhou em alcançar. Anos mais tarde tornou-se caminheiro, transformando-se no exemplo que outrora desejou ser. 

Olho para o Escutismo como uma casa que um dia foi minha, mas, como em tudo, para a evolução traçar, chegará o dia em que deixamos o nosso lugar para alguém com «sangue novo», que trará novidade e ao mesmo tempo sede de crescer. Não foi assim há tanto tempo  que parti, mas algo em mim já sente a falta dessa casa que em tempos foi a minha. Mas é de «mochila às costas, com o pão e a palavra», que seguimos confiantes de que estamos prontos para SER EXEMPLO e ser o adulto que um dia também desejámos ser, mesmo que por vezes nos apeteça regressar à inocência do que é ser criança. 

É com certezas e orgulho que digo que sou escuteira, ou que um dia o fui. 

Este jovem adulto que sonho em conquistar dia após dia, esta liberdade e independência que tanto nos ensina o Escutismo e agora transporto para a vida. O medo faz parte da luta! Sem ele, a força não teria lugar para sermos capazes de nos erguer após cada embate, cada queda. É com esta força e perseverança que vos digo que o sonho só não se alcança se o Homem não quiser. Se não fizeres por ti ninguém faz! E é com esta ideia que nunca abandonei o sonho de um dia ser atriz. O teatro está na minha vida há tempo suficiente para ter a certeza de que esta minha luta vale a pena. Como em todas as áreas vão aparecer pessoas que apenas com uma simples frase poderão orientar-nos o caminho. Só precisamos de estar ALERTA! 

Este é o meu sonho! E o teu, qual é? 

Se em algum momento achares que a vida te está a levar ao colo, ABRE bem os olhos e  acorda. A vida não leva ninguém ao colo e a qualquer momento ela deixa-te cair e poderás já «não saber andar».  

«O sonho comanda a vida», se deixares a vida comandar o sonho, ele morrerá e de ti não restará nada… 

Quase a terminar a licenciatura, as questões como «e depois do curso, como é que vai ser!?» começaram a pairar na minha cabeça. É neste género de momentos que surgem frases orientadoras de futuro, mesmo que não as peçamos, como se um anjinho da guarda as trouxesse até nós.  

Certo dia, alguém disse que fazer estágio profissional era uma boa opção para começar a dar os primeiros passos, mas esqueci-me de reter esta parte – «Enviem email com propostas ANTES do curso ACABAR, se não depois ficam a pairar sem saber como é que o irão fazer a seguir» – Sim! A minha frase orientadora estava dividida em duas partes, mas como enquanto o curso não acabava sentia-me segura, inconscientemente ignorei a segunda, não menos importante que a primeira. Deixei-me nos braços da vida e ela tratou de me mostrar como não era isso que estava delineado no mapa. 

Se consegui ingressar na área das artes do espetáculo? Se comecei por estágio  profissional? Sim, foi isso que eu fiz, mas comecei tarde na minha procura e ansiedade de não saber o que seria do meu ano seguinte começou a consumir-me, mas foi esse medo e a minha rede de segurança que me ajudaram a não desistir a cada NÃO. São este tipo de  respostas que nos tem de fazer levantar, não deixes que o NÃO se torne numa pá e que quando fores a ver, a luz do sol mal te encontra. «Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.»

O teatro conta histórias, o teatro educa. Quantas histórias já vos contaram no vosso  percurso escutista? Sabiam que o Escutismo é um movimento de educação não-formal? É como 1+1=2. De que formas podemos cativar mais quem nos ouve enquanto contamos pela milésima vez a mesma história, aos mesmo escuteiros? Pensa agora comigo como o teatro podia ser ligado ao Escutismo… 

Será que o teatro pode ser um trunfo para um escuteiro? 

Resposta (óbvia): dá jeito no fogo de conselho quando temos de recriar os momentos mais caricatos de uma atividade.  

 – Exato, mas não só.  

Quando me perguntam que ligação poderá ter a escolha do meu futuro e o Escutismo,  lembro-me das célebres frases dos meus colegas de trabalho «Nós!? Então chamem a Maria que ela é escuteira» ou «Maria! Vens aqui prender/amarrar isto?», e ainda «Menina dos nós!». (à parte) 

Estudar teatro também estimula o pensamento crítico, estimula a criatividade, a mente e o corpo ativo. Isto pode ser tudo trunfos para um escuteiro. Existem também excelentes dinâmicas teatrais que contextualizadas e relacionadas com o Escutismo poderão dar a mão ao desenvolver uma atividade, a capacidade de transportar e transformar um exercício para algo educativo no contexto escutista.

Criatividade é um elemento-chave quando se cria/prepara uma atividade, desde o  imaginário às dinâmicas até mesmo chegar às ementas. Ter a capacidade de inovar nas atividades com a “simbiose” do Escutismo com o Teatro. Gosto de acreditar que o ator tem uma forma própria de interpretar, de analisar. A capacidade de olhar para uma história que já foi contada e recontada, e mesmo assim ter uma visão de como a representar de uma nova forma. Talvez seja isto que se chama criatividade… 

 – Sim, deve ser isso. 

Talvez possa comparar o escutismo com a matemática… pensamos que aprendemos  coisas completamente em vão, mas mais tarde temos uma voz interior que nos diz «Afinal tinham razão, isto um dia daria jeito para a minha vida! (riso nostálgico)»

A experiência de trabalho mostrou-me que nem sempre o caminho é reto, tal como num raid o caminho poderia ser feito em duas horas, mas decidimos ir às curvas e contracurvas, matar saudades da rotunda que vimos a meio do caminho e acabar a demorar quatro horas (riso). 

Se nos colocarmos à prova, podemos descobrir algo que para nós estava no fundo do baú, como uma valência que nunca tinha pensado em explorar, no meu caso – o ensino. Sei que por hoje, este ensino dedica-se mais ao teatro e afasta-se mais do ensino escutista, com um aperto no coração, mas calendário de ator é calendário com poucos furos, pois as oportunidades são para agarrar. Como se diz, «quem corre por gosto não cansa»!  

Atualmente, estou numa companhia de teatro que viaja de norte a sul de Portugal para levar várias obras literárias às escolas deste país, a Caixa de Palco. Para assim, proporcionar tanto a oportunidade de os jovens conhecerem o que é a arte do teatro como a possibilidade de transformar a sua aula num modelo diferente. A Caixa de Palco cativa-me ainda por uma possível proximidade que me traz pelo Escutismo, o trabalho com a comunidade, trabalhar em comunidade com as associações de teatro amador da região. Noutros momentos, quando a disponibilidade está de maré também uno a história ao teatro, recriando o passado com a Companhia de Teatro Almanach. E se ainda houver tempo, dedico-me à escrita, algo de que gosto bastante, por agora explorar mais a dramaturgia. 

Até um dia destes, 

Maria Pandeirada