Do Estado Novo à Democracia: Como o 25 de Abril transformou o Escutismo em Portugal

Hoje celebram-se os 51 anos da Revolução dos Cravos. Neste 25 de Abril, recorda com os mais velhos as mudanças que a democracia trouxe ao CNE e reflete com os mais novos sobre a responsabilidade cívica do nosso Movimento. 

Com mais de um século de História, o Escutismo em Portugal é um reflexo nítido das mudanças políticas e sociais que o país atravessou ao longo das décadas. Este ano, a Revolução dos Cravos comemora as suas 51 primaveras e leva-nos a refletir sobre as mudanças que trouxe ao nosso Movimento.

Dos momentos inusitadamente alegres aos mais atribulados, são várias as histórias que ficaram dos tempos pré-revolucionários no Escutismo. João Tolentino foi escuteiro no Agr. 297 Algés e lembra a rebeldia do seu Grupo de Exploradores Seniores, equivalente ao que hoje são os Pioneiros, nos tempos do Estado Novo: «Sempre que íamos acampar para o PNEC, a camioneta da Trafaria ia a abarrotar, então cantávamos as canções proibidas do Zeca Afonso, principalmente Os Vampiros, e os outros passageiros desciam todos.» 

Corria o ano de 1962 quando Mário Branco, ainda em Lobito, entrou no 70 Almada. Para ele, era notável a preferência dada à Mocidade Portuguesa em detrimento do CNE: «Quando íamos para as procissões, nós, que éramos católicos praticantes, pois o Movimento é um movimento da Igreja, ficávamos atrás dos meninos da Mocidade, que era uma imposição que o Estado fazia.» 

Anos mais tarde, o antigo Dirigente recorda ainda os tempos de grande alvoroço imediatamente após a Revolução de Abril, em que o seu agrupamento era convidado a acampar nas quintas do Álamo e da Princesa, para prevenir que fossem intervencionadas por forças de ocupação. Na altura, «chamavam-nos de fascistas, diziam que estávamos ligados ao regime, pura e simplesmente por estarmos ligados à Igreja», contou Mário Branco à Flor de Lis.

Mário Branco salientou a longevidade do Escutismo, que desde 1907 continua a ser um movimento afirmativo da juventude, como prova a sua contínua capacidade de renovação e «a predisposição que tem para mudar as coisas, estar sempre atualizado». E ciente da mudança está Filomena D’Oliveira, Dirigente do Agr. 1386 Zurique, que não pôde entrar nos escuteiros em criança: «Estávamos nos fins dos anos 60. A minha avó Maria morava mesmo em frente à sede do Agr. 52, então, aos fins de semana, ficava sempre a observar o que se passava. Mas como era menina não podia ser escuteira, o que nunca compreendi.» Não podendo entrar no CNE, tornou-se Guia da 1.ª Companhia de Santarém. Logo após a Revolução, a Companhia viu-se impedida de reunir, mas faziam-no às escondidas nas casas das próprias Guias. Os ventos da mudança que assolavam todo o país não tardaram a trazer a abertura total do CNE às raparigas, e Filomena ainda pôde participar em acampamentos mistos na sua juventude.

 

Na voz dos mais jovens

De olhos postos no Futuro, mas cientes das vitórias do Passado, estão também os escuteiros já nascidos num Portugal livre. Filipe Mendes, Caminheiro do Agr. 42 Penha de França, salienta as conquistas que a Revolução dos Cravos provocou na nossa associação, «trazendo uma maior democratização ao CNE». Para ele, «a liberdade de expressão, a luta pela justiça social e a solidariedade, valores do 25 de Abril, são imprescindíveis. Considero que é fundamental que a nossa geração não os esqueça e que continue a lutar para que o Movimento Escutista se mantenha vivo, livre e em constante evolução.» Destaca ainda «o impacto profundo que o Movimento tem na nossa vida e o quanto nos ajuda a crescer como pessoas e cidadãos».

A preservação da democracia passa necessariamente pela formação cívica dos mais jovens, bandeira que o Escutismo defende desde a sua fase embrionária. Baden-Powell escreve em A Caminho do Triunfo que o «lado sombrio do escolho é o perigo de ser ludibriado pelos cucos, impostores, doidos e extremistas. O lado luminoso é o desenvolvimento da autoeducação e do serviço em prol da comunidade que se opõem ao chamamento dos cucos.»

Moldar indivíduos conscientes, ativos e preparados para fazer a diferença, seja através do voluntariado, da educação cívica ou mesmo da participação política, é uma das grandes prioridades de Inês Rodrigues, Candidata a Dirigente do Agr. 10 Cedofeita, enquanto animadora. Representante Externa na Região Escutista Europeia, Inês trabalha diretamente na interface entre o Escutismo e os decisores políticos, sendo como que uma «embaixadora» dos interesses e mais-valias do nosso Movimento. Para ela, temos um papel fundamental na educação para a paz, na promoção da educação não formal e na sensibilização para questões cívicas e sociais. «O Escutismo é político inerentemente, e é político no sentido em que estamos a formar pessoas que queremos que sejam ativas, não só na política, mas na sociedade em geral. Indiretamente, uma organização com o tamanho que o Escutismo tem, tem de ser política e temos de ter opiniões», afirma Inês.

O civismo está intrinsecamente ligado ao lema «Sempre Alerta para Servir». Pedro Pinto, Caminheiro do Agr. 1134 Sintra e membro de uma juventude partidária, tem em si essa ideia bem presente: «não precisamos todos de ser políticos, mas todos podemos contribuir. (…) Para poder haver esse contributo, para a melhoria do nosso país, basta sermos escuteiros exemplares, ou seja, estarmos alerta para o que se passa à nossa volta, termos sentido crítico sobre o que acontece no dia a dia e não ficarmos apenas pelo que diz uma pessoa ou uma notícia.» Com efeito, ser escuteiro é também ser capaz de fazer escolhas informadas, dentro e fora do Movimento.

Enquanto movimento apartidário, o Escutismo ocupa um lugar privilegiado na educação isenta de influências em torno do civismo e da cidadania ativa. É um dos pilares do nosso Movimento incentivar os jovens desde cedo a compreender e exercer os seus direitos e deveres como cidadãos, para que possam formular as suas próprias opiniões, evitando os «cucos e impostores», e decidir conscientemente sobre a sua participação na vida em sociedade, preservando os valores democráticos de Abril. 

Texto: Catarina Valada.

Foto: Mariana Gonçalves.

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