Drave: Memória Viva de uma Aldeia Desabitada

Muitos dizem que, com o passar dos anos, as tradições começam a perder-se no tempo. Outros que, ao longo da vida, se esforçam para que essas mesmas tradições não sejam esquecidas. E mesmo após a aldeia se ter tornado desabitada, há uma tradição que perdurou e que, ainda hoje, faz com que os familiares dos antigos habitantes se voltem a reunir: a festa de Nossa Senhora da Saúde.

Uma pequena festa com um significado imenso, que permite que os bons momentos vividos naquele lugar único se transmitam de geração em geração.

Durante muitos anos, aquele lugar viu pessoas a passar, a viver, a sorrir… E embora, em 2000, se tenha tornado oficialmente uma aldeia desabitada, nunca foi, verdadeiramente, abandonada. As famílias que ali viveram deixaram uma marca profunda, mesmo que o dia a dia nem sempre tenha sido fácil.

Na Drave, os dias seguiam uma rotina constante. Ao amanhecer, o silêncio era quebrado pelos sons das portas a abrir e dos passos apressados rumo aos currais, para alimentar o gado. De seguida, os habitantes dedicavam-se à lavoura, realizando tarefas como lavrar, estrumar, semear e regar, sempre em sintonia com as estações do ano. Muitas vezes, contavam com o apoio dos chamados “filhos da Drave” — moradores de localidades vizinhas.

As refeições eram feitas tardiamente, sempre acompanhadas de momentos de descanso, conversa e observação do gado. Quando algo faltava, recorria-se ao merceeiro local ou, em tempos mais recentes, chamava-se um táxi. Ao final da tarde, recolhia-se o gado do monte — uma tarefa nem sempre fácil, devido à presença de lobos e javalis.

Nos últimos anos de vida da aldeia, permaneceram apenas D. Aninhas e o Sr. Joaquim — os dois últimos habitantes. Apesar das dificuldades, nunca quiseram abandonar a sua casa. Foi sob o olhar atento deste casal que, em 1992, viram, pela primeira vez, um grupo de jovens a descer até à aldeia. Inicialmente, o desconhecido causou-lhes inquietação, mas com o tempo, aqueles jovens de lenço ao pescoço tornaram-se uma companhia habitual.

O Padre Nuno, juntamente com o pároco de Covelo de Paiva, Padre Peres, descobriu a aldeia da Drave enquanto procurava um local para a atividade “Rumos do Homem Novo”. Embora a primeira edição tenha decorrido na Serra da Cabreira, foi após a mudança da metodologia educativa da IV Secção que a aldeia passou a acolher regularmente estas iniciativas.

Inicialmente, a D. Aninhas e o Sr. Joaquim receberam os escuteiros com alguma reserva, mas depressa se tornaram amigos e companheiros. Em 2003, o Corpo Nacional de Escutas (CNE) inaugurou a Base Nacional da IV (BNIV) na Drave — um centro escutista dedicado à espiritualidade, iniciado por escuteiros da Região do Porto. A partir daí, o projeto cresceu, dando origem ao Drave Rover Scout Centre (DRSC), um centro de referência mundial reconhecido pelas redes SCENES e GOOSE, e distinguido como centro escutista de excelência pelo CNE.

Hoje, em 2025, muitos são os escuteiros — assim como familiares dos antigos habitantes — que se juntam na aldeia para celebrar a Festa de Nossa Senhora da Saúde. As casas voltam a abrir-se, as vozes ecoam de novo pelas montanhas. Os tempos podem mudar, mas há tradições que se mantêm, firmes, com o passar dos anos.

Texto: Cassilda Baptista.

Fotos: Drave Rover Scout Centre.

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