«O Escutismo preparou-me mais do que qualquer escola»

O Hugo Faria foi escuteiro durante 22 anos e a sua vida espelha bem a influência que o Escutismo pode ter na vida profissional de cada um. Já trabalhou em vários países e atualmente está no Brasil, onde é global client partner da empresa META, que detém o Facebook, Instagram e Whatsapp. Assume-se «sempre escuteiro». Falámos com ele para conhecer melhor o seu percurso!

Como foi o teu percurso escutista?

Fui escuteiro em Benfica, durante 22 anos, entre 1985 e 2007. Lobito, Explorador, Pioneiro, Caminheiro, Dirigente, Chefe de Exploradores, de Pioneiros, de Caminheiros, e Chefe de Agrupamento.

Fui Chefe Adjunto do contingente português ao EUROJAM em Londres, em 2004/2005. Não me recordo da data, antes do mundial do centenário, um jamboree de teste para o jamboree mundial, no mesmo espaço.

Na minha vida tive envolvimento com várias equipas de trabalho, e saí do Escutismo feliz com o Escutismo. O que é uma coisa que eu acho que devíamos ser muito mais intencionais quando dizemos isto e devíamos ter mais gente a dizer isto. Porque depois também vejo muita gente nas redes sociais, sobretudo nas redes sociais, vejo amigos meus zangados, eu tenho as minhas teorias porque é que eles estão assim zangados, acho que há um tempo para tudo…

Eu sou filho de um chefe de escuteiros, o meu pai foi chefe de escuteiros durante muitos anos, continua ligado ao Escutismo, e a minha mãe foi para chefe de escuteiros depois de eu ser escuteiro. A minha mãe deixou os filhos irem para os escuteiros e depois foi atrás. No meu percurso escutista tive a oportunidade de ter vários cargos na patrulha e nas equipas, com reflexo na minha vida profissional. Para mim, a coisa mais natural a sair de uma reunião é ter os próximos passos dessa reunião, um registo de quem esteve presente para garantir que estão todos, é ter uma visão de longo prazo ou ter um projeto de longo prazo, ou intermédios que chegam aí, e os escuteiros ensinaram-me a lidar com equipas e a respeitar as minhas funções.

Notas que, para a tua vida profissional, o Escutismo te deu aquelas ferramentas de que tu agora estavas a falar, que de facto são mesmo importantes?

Superimportantes. O Escutismo é uma escola de valores, e isso é a primeira coisa. Quando tu entras num ambiente de trabalho e o teu quadro de valores implica honra, lealdade, no sentido de utilidade, a amizade… Acho muito engraçado, fala-se em sustentabilidade, e fala-se muito em ecologia, e parece que está muito na moda, não é? Eu não conheço outro mundo em que não se fale desse assunto, porque estava nesse quadro de valores. Eu acho que esse quadro de valores é uma coisa que levas para a tua vida profissional. E o que é engraçado é que levas isso, levas um certo hábito de ter uma função dentro de uma equipa, ou dentro de uma patrulha. Quanto estás dentro de uma equipa de trabalho é superclaro para ti que tu és parte de um todo e tens de ter uma contribuição saudável e positiva para esse todo, certo? Até o princípio de aceitar o erro! Eu tropecei em espias de tenda, como todos… Com os iglos, as coisas ficaram mais resolvidas, mas para quem acampou em canadianas e com as espias bem esticadas, não conheço ninguém que nunca tenha caído! E então saber que tu cais e te levantas, até em pequenas coisas que implicam risco, por vezes temos medo de fazer algumas coisas no trabalho… Eu não conheço mais nenhuma organização que coloque instrumentos cortantes nas mãos de crianças, tão cedo, como no Escutismo. Se eu te dissesse em 2022, fora do contexto do Escutismo, que tu pões um machado na mão de uma criança – tipicamente não colocamos nas mãos dos Lobitos –, mas que tu estás confortável com uma criança de 12 anos, a dar-lhe confiança e autonomia, com regras e acompanhamento… Então eu, no meu dia a dia profissional, tenho de tropeçar e me levantar, tenho de correr riscos, tenho de trabalhar com pessoas sabendo que tenho uma função num grupo maior… E estas coisas todas eu comecei a fazer antes de entrar numa carreira. Então, quando tu entras numa carreira, estas coisas notam-se.

Eu estou a viver no Brasil, trabalho numa empresa que se chama META, que é a proprietária no Facebook, Instagram e Whatsapp, e trabalho na América Latina. No meu trabalho do dia a dia tenho de falar com pessoas, não é? Eu e um colega meu do México descobrimos os dois com muita facilidade que éramos escuteiros. Só a trabalhar, sem nenhuma referência específica, até que alguém fez uma piada de «isto bem resolvido era à volta de uma fogueira», ao que ele começa a brincar e diz «OK, eu vou fazer a mochila e vamos», e isto vem do contexto profissional, até que começámos a fazer o crosscheck, «foste escuteiro de certeza absoluta» e eu «claro que fui», com a diferença de que eu era escuteiro em Portugal e ele era escuteiro nas Ilhas Canárias. Eu era CNE em Portugal e ele era da ASDE – Scouts de España. Ele agora é um escuteiro de Espanha que trabalha no México e eu sou um escuteiro de Portugal que trabalha no Brasil, mas isto traz-me para outro ponto: não só este quadro de valores e este sentido do todo, há também uma coisa muito interessante: eu muitas vezes vi desvalorizar a importância que tem a dimensão internacional do Escutismo, vivida nas várias vertentes, e, com toda a honestidade, as experiências internacionais que tive com os escuteiros prepararam-me para a minha carreira internacional. A primeira vez que estive sentado com alguém do Senegal e alguém da Finlândia não foi na minha carreira profissional, nem na minha carreira internacional de profissional, foi no Escutismo. Foi na Holanda em 95, onde a improbabilidade de estares com escuteiros japoneses à direita, com os finlandeses misturados com os senegaleses – porque no Jamboree da Holanda era obrigatório ter grupos de 40, independentemente de como tu fizesses os encaixes. Então a gente saiu de Portugal muito preparados para ter grupos de 40. Então os escuteiros da Finlândia e do Senegal estavam curtos e tinhas aqui esta ideia de que há denominadores comuns importantes, que se sobrepõem às culturas, e a oportunidade de ver essas culturas em comunidade, eu vi nos escuteiros. Então, quando entrei no mundo na minha vida profissional, eu estava preparado.

Foi fácil a integração?

Eu acho que, de uma maneira geral, algumas coisas são feitas de forma inconsciente, mas claro que faço este exercício de retrospecção, porque depois de ter sido escuteiro fui chefe de escuteiros, é normal fazer algumas reflexões sobre estes temas. Mas para mim é evidente o papel que os escuteiros tiveram na minha vida… Depois tive aqui um momento de vara bifurcada, entre esquerda ou direita, não foi entre o bem ou o mal, mas tive de escolher uma opção: Quero dividir a minha energia ou quero concentrar a minha energia?

Eu estava com alguma ambição profissional e essa ambição começou a incompatibilizar-se com a sexta à noite, com as férias, ou seja, com aquilo que eu fiz durante 11 anos enquanto chefe de escuteiros, já não conseguia dar continuidade. Tenho super-respeito por quem continua a ser chefe de escuteiros, mas eu não conseguia. Então trouxe equilíbrio à minha vida. Mas claro que teve impacto, claro que o trabalho que eu faço todos os dias na Meta é inspirado, guiado e preparado pelos anos que eu tive no Escutismo. E até te digo mais: acho que, para as partes não técnicas do trabalho, o Escutismo me preparou mais do que qualquer escola. Entre o Escutismo e a família, que na minha casa se confunde muito porque são todos escuteiros, eu fui preparado para trabalhar em empresas e interagir com outros seres humanos todos os dias. Então é mesmo verdade, e não sei se é o teu objetivo, como é que pessoas que têm carreiras, eu não tenho a mesma visão, mas que aos olhos de outros são de sucesso, são de referência, porque vão para fora, e quando vão para fora têm posições seniores e conseguem singrar… Como é que eles chegam lá? O Escutismo é uma alavanca disso.

Quando és recrutado para alguma empresa, alguma vez disseste que tinhas sido escuteiro, que tinhas sido voluntário? Notaste que isso influenciou a decisão do recrutador?

É assim [risos], no meu primeiro emprego full time, em marketing, fui contratado pelo pai de uma escuteira de Benfica. Eu tive de dizer, ele fez de olheiro no agrupamento, foi recrutar ao agrupamento! Depende de quem está a recrutar, eu não entrei em todos os trabalhos que me candidatei, houve muitas entrevistas que deram certos e outras entrevistas que não, em muitas delas eu referi os escuteiros, certo? Quando perguntam, quando estás nos 20 e poucos anos, que experiência de liderança é que tu tens e estiveste num movimento como o Escutismo, ou estiveste em algum desporto ou associação com essa dinâmica, mas os escuteiros trazem uma grande vantagem se o recrutador foi escuteiro. Agora se me perguntares se eu quando estava a recrutar e alguém levantava esse ponto e fazia a diferença: absolutamente. Sim, e sim, não numa lógica sectorial de proteção dos meus, mais na questão de estar preparado, de ser responsável….

As chamadas soft skills

Sim, é isso. O Escutismo é uma escola muito séria de soft skills. Claro que as hards skills também me dão jeito, eu estou a viver numa casa que tem aqui uma parte ajardinada e os meus filhos ficaram muito impressionados porque o pai pega numa corda, faz uns nós e ata umas coisas e serra…. Também tive essas hard skills, que na minha vida também me são muito úteis, mas as softs skills vêm muito aceleradas quando te comparas com outras pessoas. E também a capacidade de aceitar, porque os escuteiros têm uma coisa interessante: tu não escolhes quem vem para a tua patrulha, o que faz com que seja diferente do recreio da escola, em que a gente escolhe – uma coisa maldosa, como os dois melhores que jogam futebol na turma, são os que escolhem as equipas. E eu nos escuteiros nunca escolhi a minha patrulha, a minha equipa, então estou mais preparado para aceitar o outro com as diferenças dele. E isso faz uma grande diferença! Uma pessoa que não teve essa experiência, que está habituado a estar com os amigos do bairro, com os amigos da família, e ter de aceitar que existem dois que estão de outra maneira. Por exemplo, aquela situação em que dois querem ser secretários numa patrulha, e aquilo tem de se organizar… Mesmo os aspetos saudáveis por alguma competição na empresa, as pessoas que são dos escuteiros estão mais preparadas para isso. Estão mais preparados para ganhar, perder, por exemplo, agora nas empresas fazem-se muitas vezes rodas para partilhar ideias… Para os escuteiros, sentar numa roda é normal! Acho interessante que quando querem fazer atividades de teambuilding nas empresas… Eu até aqui há alguns anos trabalhava numa consultora e fizeram uma atividade em que as coisas que eu fiz lá foram coisas que eu fiz nos escuteiros… Era tudo gincanas! E pronto, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de que sem Escutismo eu não estava onde estou, talvez se não tivesse vivido o Escutismo, não tivesse feito carreira internacional; se não tivesse ido a jamborees, não sabia trabalhar da maneira que trabalho hoje; e se me perguntas se está presente no meu dia a dia, está.

Eu tenho alguns livros em casa, e agora até deixei de comprar porque aqui a minha esposa não me deixa comprar mais papel, porque tenho aquela coisa do kindle e posso comprar livros por ali e ler por ali… Mas vou tendo alguns livros físicos, o único livro que tinha de leitura é o Escutismo para Rapazes, vai comigo para todo o lado. Fui viver para os Estados Unidos e levei o livro, vim viver para aqui e trouxe o livro comigo. De outros livros já me livrei, mas aquele fica sempre.

Mas porquê, perguntas tu? Porque hoje em dia o Escutismo para Rapazes é mais histórico que prático, uma criança de oito anos pega no livro e a linguagem é complexa e não cola a uma realidade fácil de entender para um miúdo em 2022. Mas eu, de vez em quando, abro o livro e vou lá dar uma espreitadela… É livro de consulta.

«Sejam escuteiros no trabalho, sejam escuteiros na família, sejam escuteiros todos os dias»

Sabes que é difícil… Quando estava em Miami com os meus filhos já com idade de entrar nos escuteiros… para já os Boys Scouts of America só há pouco tempo é que começaram a ter a coeducação como uma coisa presente. Eu acredito que a coeducação, que felizmente o CNE adotou, os aspetos são importantes… Hoje em dia fala-se muito da igualdade de género, não se educa para a igualdade de género com separação de género… Tem demasiados adultos com os jovens, é comum ver um chefe com quatro ou com três… Estou habituado a ver um chefe com oito, por sorte, a ver à distância… E na América, sempre que vires um boyscout, vais ver ali um adulto, não tens esta coisa de estão dois a vender um calendário e o chefe está lá a ver na esquina para eles sentirem autonomia e liberdade… Então acabei por não fazer isso. Depois sai de Miami e vim para o Brasil, e veio a pandemia e não me pareceu ser o momento de procurar. Eles têm aqui a União de Escoteiros do Brasil, que me parece… Aliás, a União de Escoteiros do Brasil esteve no Jamboree da Holanda, onde foi assinado o tratado do Escutismo lusófono, então eu assisti ao vivo… Estava no meu primeiro ano de Caminheiro! E vi ao vivo esse momento da lusofonia e sei que há aqui o equivalente a um agrupamento, pode ser que eu vá lá espreitar um dia. São mais parecidos e mais culturalmente alinhados… Sabes que a minha esposa é americana e foi guia, eu casei com uma guia. Sabes, também não há coincidência que este escuteiro casou com uma guia (risos)! Mas sim, tendo eu alguma estabilidade e agora depois do COVID, eu tenho uma filha de nove, um filho de oito e um filho de três meses, e então acho que sim! Para ser honesto, mesmo que eu não consiga colocar, os escuteiros têm um efeito multiplicador que eu acho interessante, que vai para além da esfera de quem consegue estar dentro… Porque se eu, como pai, levo coisas do Escutismo para os meus filhos, claro que nunca vai ser igual, não vão aprender fazendo… mas eu acho que eles têm uma vantagem, ou seja, eu acho que tenho uma vantagem que posso levar para eles, da mesma forma que eu levo para a minha vida profissional, levo para a minha vida familiar, e isso faz um efeito bom. Se tiver oportunidade, de existir um agrupamento de escuteiros perto de onde eu esteja a viver, com a vida um pouco mais equilibrada, só tenho de convencer a minha esposa que é normal deixar os filhos irem cinco dias sem os pais lá irem!

Ponderas algum dia regressar a Portugal ou não estás a ver esse cenário?

Sim, quero voltar. O meu caso é particular, porque como não sou casado com uma portuguesa, quem é que volta para onde? Eu sei que a minha esposa quer reformar-se em Portugal comigo, eu tenho muita sorte com isso, e então, sim, quero voltar. Já queria ter voltado, sim, mas é difícil continuar a fazer a carreira que eu estou a fazer, ao nível que eu estou a fazer, em Portugal. Porque o mercado é pequeno e não tem espaço para todos, e quando eu saí de Portugal para seguir a minha carreira não quer dizer que não existissem posições para mim em Portugal, devia haver, mas não há para todos…

Fui à aventura e vou pelos meus méritos. Sou muito português e vivo muito a minha cultura portuguesa, mas quanto mais tu vives fora, mais as fronteiras são uma coisa sem sentido. Eu adoro comida portuguesa, adoro a minha gente, adoro falar à lisboeta – porque eu aqui não posso, porque senão ninguém me entende.

Fala-me do teu percurso profissional…

Eu consegui um fenómeno: fui fazer um curso numa universidade, desisti a meio, fui para outra – nenhuma delas existe agora. Ou seja, se eu disser a um americano onde é que eu estudei e se ele for à procura, nenhuma existe, eu estive na Independente […] Queria ser jornalista, mas depois cheguei à conclusão de que não queria ser jornalista, não gostava de investigação, gostava era de ciência política e depois gostava de conceitos criativos, gostava de falar de negócios, mas não gostava de economia. O que é que fazes neste cenário? A mãe de uma Lobita disse: «Olha, o meu marido é professor de marketing, porque não vens falar connosco?», e eu falei com eles e disse: «Acho que é isto que eu quero». Então estava com três anos de Ciências da Comunicação feitos e resolvi ir fazer Comunicação Empresarial, curso muito mais de marketing, no ISCEM, no Príncipe Real, em Lisboa, e no segundo ano já estás a estagiar e quando chegavas ao 4.º ano já estavas a trabalhar a tempo inteiro e ias ter aulas à noite… Então eu fiz Comunicação Empresarial, a seguir trabalhei em estudos de mercado, em consultadoria, aliás, só para ser claro, eu trabalhei numa empresa de relações públicas, que fazia media relation, fiz aí estágio, depois trabalhei numa empresa de estudos de mercado e consultadoria, depois saí para abrir uma pequena empresa de consultadoria de uma pequena empresa de marketing e saí para abrir uma empresa com um colega em que fazíamos consultadoria de marketing digital, isto foi em 2005, julgo eu. Em 2007 fui trabalhar para o Omnicom group, aí era diretor de estratégia. Quando estava aí, fui trabalhar uns meses para Los Angeles, conheci lá quem é hoje a minha esposa, regressei a Lisboa, continuei a trabalhar da Omnicom group, saí de lá, fui trabalhar para Miami e em 2019 tive oferta da empresa, que na altura ainda se chamava Facebook, para vir trabalhar aqui em São Paulo. Desde 2015 que eu trabalho a América Latina como um todo… Mas em marketing digital estou desde 2005, já faz de mim um veterano, não havia livros sobre marketing digital em Portugal e eu escrevi um livro com um professor chamado Pedro Dinis e um professor chamado Vicente Rodrigues.

Nesse ano lançámos o livro e eu comecei a dar aulas no mestrado no ISCTE em Marketing Digital e aí está, levei muito daquilo que vivi no Escutismo… Quando tu fazes fogos conselho num agrupamento que tem 150 pessoas depois vais apresentar para 20 ou 30 alunos ou 20 ou 30 clientes, é relativamente simples. No lançamento tivemos 900 pessoas, por isso foi um bocadinho mais! Mas no meu percurso sou «MARKETEIRO DA VIDA», sou uma pessoa de comunicação, sou uma pessoa do digital há 17 anos, e faz de mim um veterano… Sempre que oiço «o impacto do digital» começo a adormecer, porque estou a falar disto há 17 anos e já havia gente antes de mim e continuamos aqui com esta persistência, mas a carreira desde 2007 que são funções de direção de equipas, de grandes projetos, então a minha carreira é uma carreira de marketeiro… Durante este período trabalhei com grandes marcas, trabalhei com pelo menos 40 clientes diferentes em três grandes regiões do mundo.

Sentes que quando pensaste que estava na hora de construíres uma família chegou também o momento de parares e de já não fazeres mais upgrades na tua carreira?

Não! [Risos] Eu tinha um timing mental: tinha de chegar até uma certa posição, até uma certa idade, ou até um certo contexto familiar… E agora, em retrospetiva, eu fui pai aos 36. Pagas consequências, a energia que tens aos 36 e a energia que tens aos 26 é completamente diferente. Mas eu acho que agora as progressões são menos aceleradas, são mais amadurecidas, mais pensadas… Não fico superexcitado em ir atrás do próximo emprego. Eu agora tenho uma lógica de «Se o contexto for bom para a família». Agora não entraria num trabalho para conhecer tudo de novo e trabalhar outra vez na minha vida 12 a 14 horas por dia, ou seja, prefiro ficar mais estacionário. Mas respondendo à tua pergunta, os meus filhos eram pequenos e fomos para Miami, teve algumas consequências na aprendizagem da língua em português, então quando tenho de fazer escolhas, elas pendem sempre mais para a família. Não é a liberdade de quando era solteiro, agora é outra dinâmica.

Se tivesses de passar uma mensagem de incentivo aos jovens que estão agora a começar o seu percurso profissional, que mensagem é que passarias?

Quanto mais escuteiro tu fores no teu trabalho, seja qual for o teu trabalho, tanto melhor vais ser no teu trabalho. Se eles trouxerem o quadro de valores do Escutismo para o trabalho, vão criar ambientes positivos, vão ser bons colegas porque sabem o que é levar o colega que caiu, sabem o que é aceitar o outro colega, e não vão deixar que a ambição individual elimine a importância do grupo para quem trabalham. Ou seja, vão ser ambiciosos, mas com um quadro de valores e de moral forte… E isso faz uma grande diferença. Sejam escuteiros no trabalho, sejam escuteiros na família, sejam escuteiros todos os dias. O «escuteiro uma vez, escuteiro toda a vida» é um cliché aparente, sobretudo se for no aspeto exterior, mas se for no aspeto interior, essa coisa de levar a Promessa que está feita, essa bagagem toda para a vida, acho que vão ser melhores profissionais, e isso vai ser muitas vezes reconhecido. Não vai ser identificado como «isso veio dos escuteiros», mas vai criar impacto nas empresas. Essas soft skills que referiste, que é uma expressão que eu gosto, essas soft skills, as empresas pagam a consultoras para os ensinar a desenvolverem. E os escuteiros são um plug and play, os escuteiros são, nas soft skills, as pessoas mais plug and play. É chegar e já estão prontos para começar. Vamos fazer um foco no técnico, porque o resto já está. Claro que vão ter de ganhar experiência… Mas sejam escuteiros no trabalho, sejam escuteiros no primeiro estágio, sejam escuteiros em tudo o que fazem. Essa fidelidade à Promessa, não é uma Promessa que te bloqueia, que te algema as mãos, não é uma Promessa de esforço, essa Promessa de ser diferente, de ser melhor, vai dar resultados. E quando reconhecerem um escuteiro no trabalho, identifiquem-se e falem do assunto. Traz sempre sorrisos e novas amizades! Eu confesso que quando nós nos identificamos há uma cumplicidade adicional no trabalho, que não nos faz trazer lobby, faz-nos trazer uma energia positiva ao grupo que eu acho que é superimportante. É um conselho simples, não quero trazer sofisticação, quero trazer o que eu acho que faz sentido.

Qual é a função que tens atualmente?

Eu sou global client partner, o que quer dizer é que eu trabalho com os clientes globais, com os grandes clientes da META, o meu foco é para a região da América Latina e os clientes que eu trabalho são os chamados nativos digitais. Um dos clientes a quem eu dedico mais tempo é a Amazon. Partner para clientes globais, estou sediado em São Paulo, no Brasil, e a empresa para quem eu trabalho é a META. Antes fui diretor geral de agência, mas esse é mais fácil de traduzir. 

Texto: Cláudia Xavier.

Fotografias: CNE, Hugo Faria

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